quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Retrospectiva.


Comecei este blog contando como foi o meu Réveillon e mostrando-me cheia de expectativas para 2011. O ano anterior tinha sido incrível e eu esperava o mesmo deste. Por isso, me parece adequado fazer um balanço do que passou.


Costumo dizer que daria replay eterno em 2008. E sigo com essa vontade. Isso porque 2008 foi o ano mais inconseqüente que vivi. Minha vida social foi intensa e foi quando dei passos importantes rumo à minha liberdade. E liberdade é o requisito indipensável para minha felicidade. Fiz algumas besteiras, é bem verdade, mas eu poderia sim viver aquele ano em looping.


2011? Eu não daria replay. Mas digo: foi o melhor ano que vivi até então.


Foi a época em que mais cresci, em todos os âmbitos da minha vida. Estou muito longe do meu objetivo, mas é a primeira vez que me sinto no caminho certo. É a primeira vez que me percebo como um rascunho de quem almejo ser.


Chorei muito, sofri bastante, diminui drasticamente o ritmo das festas que vinha fazendo desde a adolescência. Não ganhei um centavo, não consegui emprego, prestígio ou diploma. Talvez não tenha feito nada para ser lembrado ou admirado pelos outros.
Mas aprendi, esse ano, mais do que nos últimos dez.


Me apaixonei e me desapaixonei incontáveis vezes, conquistei e fui conquistada, intensifiquei o auto-conhecimento, me livrei de tabus, rompi barreiras, me libertei de travas, criei laços, superei complexos, encarei meus traumas.


Não me livrei das minhas revoltas e descontentamentos com o mundo, pelo contrário, eles cresceram. Bom sinal, pois compreendi que não eram sem razão, não eram delírio. Encontrei outras pessoas dispostas a me dar a mão e mudar o sistema, pessoas que compartilham de pensamentos como os meus. A vida passou a fazer sentido.
Não só estou vendo as mudanças que quero, como estou ajudando a construí-las. Minha ausência de auto-estima jamais permitiu acreditar que, um dia, sentiria orgulho de mim mesma.


O que eu cresci não pode ser substituído nunca. Então por que não quero dar replay? Porque eu quero mais crescimento, outros aprendizados. Eu posso ir vinte vezes na melhor festa da minha vida, mas me basta uma melhor aula. Em vez de querer repetir, o que seria inútil, quero as próximas. Pode vir, 2012!


Só eu posso ver, valorizar ou aproveitar o que 2011 me trouxe. É tudo subjetivo, abstrato e, justamente por isso, enriquecedor.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Epitáfio


Mais sonhei do que falei,
mais falei do que vivi.
Nada conquistei.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Despertar em sobressalto.




Na falsa presunção de ser forte, acreditei que a dor, o amor e a sintonia tivessem passado. Mais! Cheguei a considerar que sequer tivessem existido, como um mero delírio meu. E foi assim, da forma mais abrupta, que mostraram apenas estar adormecidos.




Porém, me diz aquela voz, vale lembrar que medicamentos indutores de sono podem resolver isso de novo.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Diálogos da vida II (esse imaginário).



Pastor: Ei, vocês aí! Não pode fazer sexo antes do casamento, hein?
Ela: Fica tranqüilo, seu pastor, a gente não vai casar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mercantilização das paixões



Já fui daquelas pessoas que cancelava qualquer programa em dia de jogo do meu time. Eu considerava defeito gravíssimo alguém torcer pelo time adversário. 'Tava nas características de "caras dos meus sonhos": gremismo.

Quando os resultados da rodada não eram favoráveis, eu passava a semana inteira de mau humor. E ai de quem fizesse piada. Contudo, não perdia uma oportunidade de zoar os amigos quando o time deles perdia.

Xingava o juiz, gritava com a TV, chorava em jogos decisivos - de emoção ou de tristeza.

Okay, vou confessar: eu não mudei tanto assim. Meu coração é preto, azul e branco. Eu sigo reclamando de qualquer falta e impedimento marcados contra o meu time, porque o amor é cego. Ainda me pego ajoelhada em frente à TV, fazendo figa, quando uma falta vai ser batida aos 46' do segundo tempo. Ainda me emociono ao ver a nossa torcida apaixonada. Ainda soy loca por tri américa.

O jogador deles caiu? Frescura. Enconstou no nosso jogador? Cartão vermelho!

Entretanto, algumas coisas me fizeram passar a acompanhar bem menos os jogos. Tem semanas que nem lembro de entrar no clicrbs p'ra ler as notícias do esporte.

Isso porque, antes, 1. eu me deixava levar por jogadores beijado o escudo e acreditava que garra era o suficiente para um time vencer; 2. eu cantava a plenos pulmões as músicas no estádio, pulando até minhas pernas pedirem arrego.

O fato é que tudo que é tocado pelo capital, vira mercadoria. Incluindo as paixões. O futebol deixou de ser um esporte e se tornou um dos principais mercados, um setor econômico de cifras milionárias em que reina a ganância. O capital explorou bem a emoção de quem ama um time. Quem tem mais, leva o melhor jogador. O sonho dos atletas agora é ir para a Europa, ter uma mansão, fazer festa todos os dias e ter várias loiras de bronzeado laranja em volta deles. No capitalismo, as pessoas não têm prazer no trabalho.

Outra característica desse maldito sistema é que, atrelada a ele, está a corrupção. E aí vemos times que vendem a sua derrota, trambiques no sistema clandestino de apostas, negociatas, árbitros comprados, resultados manipulados, dirigentes lavando dinheiro em paraísos fiscais, "máfia do apito", acusações à FIFA e à CBF, a influência dos patrocinadores, os conchavos, a negociação pelo direito de transmissão em tv/rádio.

O futebol funciona no molde das empresas capitalistas, tendo a maximização do lucro como principal objetivo.

Quanto ao outro fato que me desestimulou a seguir envolvida nessa paixão: o machismo corre solto nos estádios. Precisamos xingar o adversário da coisa mais humilhante existente. O quê? Ah, vamos chamá-lo de gay.

Fazer referências à homossexualidade do adversário é a maior e mais freqüente provocação existente no meio futebolístico, a fim de transmitir a idéia de que ele é inferior.

E, assim, seguimos reforçando a idéia de que ser homossexual é motivo para vergonha, é repugnante, é defeito, é o pior que um ser humano pode ser. Neste meio, considera-se muito pior alguém ser gay do que alguém matar, roubar, ou com qualquer defeito de caráter.

Além disso, nos outros estados também há a prática racista de chamar os jogadores de macacos, porém já tem começado a ser mal vista. Até porque, diferentemente da homofobia, o racismo é (teoricamente) punido pela legislação e, inclusive, pela FIFA.

No Rio Grande do Sul o problema é maior. De tanto os gremistas referirem-se aos colorados como "macacos", o Internacional adotou o animal como mascote. A torcida exibe faixas como "bem-vindos ao planeta dos macacos" e os gremistas se referem a qualquer torcedor/jogador deles como macacos, independentemente da cor.

Os times vivem brigando p’ra provar que o outro é time é que é racista, que o próprio time é que aceitou primeiro um jogador negro, e aí as histórias dos clubes vão sendo alteradas de acordo com o que cada um pretende defender. E como se o time ter aceitado primeiro um negro o faça mais ou menos racista.

E o que isso gerou? A idéia de que o termo “macaco” não reflete racismo. As pessoas não vêem problema em repetir o tal apelido, afinal, se a própria torcida assim se reconhece, não é preconceito. E aí todo mundo finge que não é um termo racista, afinal, racismo nem existe mais no Brasil, né?

O caso é que a origem do termo é carregada de discriminação e opressão, por mais que ele venha sendo ressignificado pelo time colorado.

E, assim, eu parei de cantar a maioria das músicas da minha torcida. Assim, eu parei de acreditar nos jogadores, nos árbitros, nos resultados, na garra. Assim, eu sofro de uma paixão não correspondida.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"Either she's an evil, emotionless, miserable human being, or... she's a robot."

"And I can't give you that. Nobody can."



Há um tempo assisti "500 dias com ela" porque disseram que lembraram de mim ao ver a Summer.
Me identifiquei mais com a história vivida do que com a personalidade dela, ainda que tenha vários pontos em comum. A cada minuto do filme, relembrava muitas das minhas relações. E sofri. Doeu. Doeu ver o Tom chorar. Doeu porque me fez relembrar que causei sofrimento a alguns "Tom". Porque o Tom é um "bom rapaz", assim como eles são, até porque sempre gostei dos "bonzinhos" (detesto esse termo). Tom é um rapaz que "não merece" sofrer. Entretanto, ninguém tem obrigação de amar, mas sim de ser leal e sincero. E a Summer foi. Em momento algum consegui ver culpa na Summer, como alguns disseram ver.
Costumam criar uma imagem de mim de total desapego, uma devoradora de homens sem coração. Acham que não me envolvo e, se me vêem abraçada a um cara, com os olhos brilhando, ficam chocados, pois acham incoerente o fato de eu tratar bem, sentir saudade, segurar a mão de repente ou ligar no meio da noite. E, então, ao me verem criar vínculos, pensam "agora vai ser diferente", "ela está mudando", ou "ela só estava escondendo as fragilidades", como ouvi de um companheiro essa semana.
As pessoas esperam extremismos. Ou é sexo casual, frio e sem vínculo ou é amor eterno ao melhor estilo conto-de-fadas, com direito a planos de casamento (ainda que não monogâmico), filhos e um labrador. Acham que não querer monogamia, não idealizar com base no amor romântico ou, ainda, tratar as relações com leveza, sem ciúme ou posse é não querer seriedade. Pois digo, meus relacionamentos são sérios sim, seja lá o que isso signifique.
Esse post não é sobre um caso específico, tendo em vista que cada relação pela qual passei tem suas diferenças, mas, em geral, a síndrome 500 Days of Summer costuma estar presente. Esse post é sobre como me faz mal sistematicamente passar por vilã e acabar sendo odiada pelo Tom pelas expectativas criadas na cabeça dele.
Tento de todas as formas ser leal, não falar o que não sinto, não criar ilusões, porém já fui mais de uma vez acusada de "canalha", como se manipulasse as pessoas e as usasse. Me parece que elas criam suas concepções baseadas em outras relações e depois acham que fui eu quem fez as promessas.
O diálogo acima, em que o Tom pede à Summer alguma segurança e ela responde que não pode garantir isso, que ninguém pode, já aconteceu mais de uma vez nas minhas relações e costuma se repetir.
Não posso garantir sentimento futuro. Nem monogâmicos que acreditam em almas gêmeas e sei-lá-o-quê-mais podem. A verdade é que posso sim mudar de idéia amanhã e quem não está disposto a correr riscos não deve entrar em uma relação. Sempre valorizei demais a liberdade e me soa absurdo cobrar amor. É aprisionar. Me vejo extremamente pressionada quando sinto depositarem o peso da felicidade em meus ombros, pois não posso garanti-la. Me faz querer sair correndo antes de causar outra dor. E aí serei sempre condenada a ter relações superficiais, tendo que abandonar a relação na melhor parte, por medo de machucar o "Tom"?
Vejo tanto sofrimento quando uma relação acaba que faz parecer que ela não valeu a pena. Será mesmo melhor simplesmente nunca ter do que ter por um tempo e depois perder? Todo o crescimento obtido é em vão?
Não condeno quem sofre, come uma panela de brigadeiros em frente à TV chorando e lamentando, toma porre p'ra esquecer, pois faz parte do (des)amor. Porém é cruel condenar a minha atitude, a minha mudança, como se eu estivesse agindo de má-fé.
Os amantes d'O Pequeno Príncipe que me perdoem (e me incluo entre eles), mas discordo da raposa. Não sou responsável pelo que cativo. Sou responsável pelas promessas que faço, não pelos compromissos que as ilusões alheias criam.
Se falo de amor hoje, é sincero. Sempre sou (ou tento ser) verdadeira. Quando declaro afeto, trato daquele momento. Não faço promessas de futuro, ainda que o futuro seja amanhã.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Auto-conhecimento.


Às vezes acho que, se procurar o significado do meu nome em algum site, o resultado da busca será algo como o misto de: do latim - hipocrisia; do grego - incompetência.
A verdade é que considero importante levantar bandeiras e nunca entendi o sentido de viver sem uma causa pela qual lutar - pelo menos não na sociedade em que vivemos.
O problema é que, ao mesmo tempo em que posso palpitar em quase qualquer debate, a incompetência para me aprofundar de verdade é algo que me corrói. E me entristece saber que a imagem que as pessoas têm logo que me conhecem, de que tenho muitos conhecimentos ou de que sou muito engajada, se desfaz em pouco tempo.
Desde coisas pequenas, como o fato de eu gostar de literatura mas nunca ter lido Manuel Bandeira ou José de Alencar. Também nunca li Admirável Mundo Novo ou A Divina Comédia.
Não precisa me conhecer por mais de 5 minutos, ou ler mais de 140 caracteres, para identificar meu feminismo. Sou contra a imposição dos padrões de beleza, porém paguei 3 mil por um nariz novo e sou escrava da chapinha.
Sei bem das minhas tendências socialistas/comunistas, entretanto tudo que sei de Marx e Engels é o que aprendi na escola. Sempre gostei de política mas qual é a ideologia daquele partido mesmo?
Não sou consumista e, ai meu deus, olha aquela bota da Fórum!
Defendo a liberdade sexual, enquanto isso, sou cheia de travas, bloqueios e complexos. Apoio o naturismo e morro de vergonha do meu corpo.
Como carne, sou insegura, escuto Velhas Virgens e não tenho experiência em militância. Tenho dois yorkshires comprados e não adotados. Rio ao ler o "Classe Média Sofre", entretanto acho que vou morrer quando a fonte do meu notebook estraga.
Exijo relacionamentos baseados em sinceridade, mas se não ouço o que espero, duvido da veracidade. Não gosto de cobranças embora seja mega carente.
E, vejam só, não estou falando de passado. Estou ignorando que fui monogâmica por quase dois meses, que fiz campanha para a direita e que cantava músicas preconceituosas em estádios.
Acho super válida a campanha "Eu limpo a minha sujeira", mas sequer sei dobrar minhas roupas. Não quero ser mãe e minhas filhas chamarão Maria Luiza e Laura.
Procuro me informar sobre todos os temas que considero relevantes, enquanto isso não tenho posicionamento sobre a descriminalização das drogas.
Mal conheço o anarquismo. Não sei o nome de todos os presidentes do país, aliás, para ser mais exata, ignoro quase toda a história política.
Adoro House, mas não passei da terceira temporada. Sou gremista, mas quais foram os resultados dos jogos do campeonato brasileiro do ano passado?
Filosofia é uma das minhas paixões, mas não li Foucault, Hobbes ou Kant.
Sou headbanger, todavia raramente lembro o nome das músicas e não passo nem perto de saber discografias de cor e salteado.
Mulher não deve calar ante agressão, mas calei muitas vezes. Sou super "we can do it", mas não sei trocar pneu.
Passei na primeira prova da OAB que fiz e não sei responder nenhuma pergunta jurídica, não sou apta a advogar. Sou atéia e, vez ou outra, me pego falando com um ser todo-poderoso imaginário.
Há também a contradição de que não bebo nada alcoólico, porém tenho uma queda por tequila.
Me apavora a idéia de alguém controlando minha vida, mas ela 'tá lá, toda exposta em redes sociais. Dentre o que sei fazer de melhor ("menos pior"), está o conhecimento sobre a língua portuguesa, entretanto começo orações com pronomes oblíquos.
Quem disse que li Ferrajoli para me afirmar garantista?
Não quero ser parasita da monogamia, me recuso a facilitar traições ou a dar moral para cara que engana mulher e, ai meu deus, que lindo aquele barbudo que tem namorada.
Admiro quem se joga nos muitos amores, curte as paixões, entretanto racionalizo demais. Aliás, racionalizo todas as paixões, menos a pelo futebol.
Sou contra mentira, mas colar em prova pode, hein?
Esses foram apenas alguns exemplos dos zilhões de contradições, superficialidades e babaquices que tenho.
Sou uma farsa, então não me critiquem pela auto-estima quase inexistente, ela tem razão de ser.

domingo, 12 de junho de 2011

1ª Reunião Nacional da Comissão pró Encontro Nacional de Culturas não-Monogâmicas.

Acontece em Porto Alegre no próximo final de semana (17, 18 e 19) uma reunião nacional de culturas não monogâmicas. A reunião contará com os principais organizadores da crítica ao tabu da monogamia: a Rede Relações Livres, a Charô, responsável pelo Portal Poliamor Brasil, o Rafael, organizador do Poliencontro do Rio de Janeiro e o Júnior, responsável pela famosa comunidade de Relacionamento Aberto do orkut, entre outras pessoas.
Dentre os objetivos está a organização do primeiro Encontro Nacional.
Haverá debates acerca da monogamia, incluindo aspectos históricos, bem como será uma ótima oportunidade de mútuo conhecimento e de compartilhamento de dúvidas e situações de forma a ajudar na compreensão do medo da liberdade, da confusão afetiva e das experiências da multiplicidade sexual e afetiva.
Maiores detalhes, como o cronograma e as presenças já confirmadas, podem ser encontrados aqui e aqui.
Não há custos para participar do evento e certamente é um evento enriquecedor para monogâmicos e não-monogâmicos. Havendo interesse em participar, basta entrarem em contato.

Como diria Raul, "o amor só dura em liberdade".

quarta-feira, 8 de junho de 2011

E se...?


E eu que não sou de chorar sinto meus olhos lacrimejarem discretamente quando deito à cama e os pensamentos chegam para atormentar. Minha memória me tortura com lembranças singelas de momentos que não voltarão. Com a lembrança de nossos dedos se entrelaçando no dia em que tudo começou, dos teus braços envolvendo minha cintura em meio à multidão, da trilha sonora... a trilha.
Lembranças de olhares, palavras, risadas, sentimentos nunca nominados, inconseqüências motivadas pela química de nossas peles. As idas e vindas, chegadas e partidas, os quilômetros, malditos quilômetros. Os abraços de saudade, os abraços de afeto, os abraços de satisfação, os abraços de despedida, os abraços, os braços, as pernas, as bocas, os sexos.
De repente, percebo quão triste é saber que jamais encontraremos outras pessoas que ignorem tanto a rotação da terra, como se aquilo sequer lhes dissesse respeito, os horários lá fora, a rotina diária. Pessoas que façam com que seus dias tenham a duração que lhes convenha, não separados por sol e lua e sim por lençóis e chuveiros.
E me machuca saber que tudo isso não teve a mesma relevância para ti que teve para mim. E se eu tivesse feito diferente? Em que momento eu deveria ter dito mais, ter dito menos? E se eu tivesse entrado naquele ônibus, enviado aquela carta, tido aquele filho, roubado aquele beijo? E se eu tivesse sido mais tolerante, e se eu tivesse me apaixonado pelo teu primo? E se eu tivesse ignorado o que ouvi, confessado o que me incomodava?
E todos aqueles laços que nos uniam hoje me parecem que apenas os forjamos. Fomos (ou só eu?) inocentes ao acreditar que a única distância entre nós eram os tais malditos quilômetros.
E se o nosso afeto tivesse sido o bastante para estabelecer lealdade? E se a minha irritante mania de falar demais tivesse dito o suficiente? E se a fraqueza da minha carne te provasse que eu entenderia a fraqueza da tua? E se a minha dificuldade em cortar laços tivesse te dado certeza de que eu perdoaria? Eu perdoaria... se a nossa história tivesse um significado real, se tivéssemos um dia deixado de ser estranhos um ao outro.
E se meu coração não tivesse se despedaçado em meio aos risos de deboche? E se a frustração não tivesse chegado arrebatadora? E se não tivesse sido mentira o que vivemos?

sábado, 4 de junho de 2011

Ser contra o amor é abominável.


Este post foi baseado em diversos e-mails que já recebi, mas conferi cada informação.

No dia 1º de junho aconteceu a marcha pela família, na qual as pessoas manifestavam-se contrários ao PLC 122/06, que visa criminalizar a homofobia.A maioria dos fundamentos dos manifestantes baseava-se em conceitos religiosos. Para ser mais específica: cristãos.

Por muitos anos fui cristã, pois, ainda que na infância meus pais fossem ateus, cresci ouvindo de tios, professores e na televisão sobre um homem manero bondoso, que amava, perdoava e ajudava a todos que o procurassem. Porém, à medida que as aulas de história me mostravam as atrocidades da Igreja Católica, como a Inquisição ou as Cruzadas, fui me desiludindo. Pedi de presente à minha família (acreditem!) uma "Bíblia de Estudo", para conhecer a tal "palavra de Deus". Lendo, me senti traída. Enquanto alguns trechos da bíblia pregam o amor, há narrativas de verdadeiras crueldades cometidas por um suposto ser superior.

Li barbaridades como “Certamente ferirás, ao fio da espada, os moradores daquela cidade, destruindo a ela e a tudo o que nela houver, até os animais. E ajuntarás todo o seu despojo no meio da sua praça; e a cidade e todo o seu despojo queimarás totalmente para o SENHOR teu Deus, e será montão perpétuo, nunca mais se edificará.” (Deuteronômio 13:15-16)

Ouvir os discursos de pastores de igrejas evangélicas foi determinante para eu perceber que a suposta bondade cristã era mito.

Mas okay, eu não me adapto às religiões e blábláblá. Mas e quem concorda e decide vivenciar tudo aquilo? Bom, vamos por partes.

Você me diz que está apenas seguindo a palavra de Deus, a qual diz ser abominável a prática homossexual. Justo você ouvi-la, mas imagino que você siga à risca TODA palavra de Deus e não só o que é conveniente, certo?

O trecho bíblico que causa toda essa caça a homossexuais é Levítico 18:22, "Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é;"

De fato, a bíblia é clara quanto à visão divina de que é uma abominação um homem "deitar-se" com outro homem. Mas a palavra abominação está prevista em diversas outras partes bíblicas, também do livro Levítico, capítulo 11, o qual prevê quais animais podem ou não serem comidos (imagino que nenhum cristão coma porco). Por exemplo, nos versículos 9-10 está previsto que "De todos os animais que há nas águas, comereis os seguintes: todo o que tem barbatanas e escamas, nas águas, nos mares e nos rios, esses comereis. Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação.

Assim, tão abominável quanto "deitar-se" com outro homem é comer moluscos, ostras, caranguejos, lagostas e camarão. Por que será que nunca vi um pastor pregando contra os abomináveis que comem camarão? Por que nunca vi uma manifestação pedindo que uma lei criminalize tal prática? Gente, é abominável! *ironia*

Nunca vi, também, um pastor pregando a morte àqueles que trabalham aos sábados, contrariando a palavra de Deus, conforme Êxodo 35:2 "Seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia vos será santo, o sábado do repouso ao SENHOR; todo aquele que nele fizer qualquer trabalho morrerá."

E por que será não tinha nenhum manifestante nas fotos que vi da marcha pela babaquice família que jamais tenha aparado a barba, conforme Levítico 19:27 "Não cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabeça, nem danificareis as extremidades da tua barba."

A bíblia do Deus de amor prevê até que é permitido vender a própria filha como escrava (Êxodo 21:7), mas me dirão os cristãos "eram outros tempos". Mas por que essa afirmativa só vale ao que lhes convém?

Procurem em Levíticos 11 quantas vezes a palavra "abominação", a mesma usada para definir o homossexualismo, é citada sobre coisas banais, sobre as quais nunca vi um pastor pregar.

Tudo que escrevi foi só para apontar as contradições cristãs. Mas sei que será inútil, então venho aqui esclarecer aos evangélicos um ponto importante sobre o PLC 122/06:

Conforme a Erika explica neste post, o qual vale muito a pena ser lido na íntegra para entender melhor o projeto em vez de ficar ouvindo mentiras propagadas por reaças, a liberdade de opressão religiosa é garantida com o § 5º do artigo 20.

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

(...)

§ 5o O disposto no caput deste artigo não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé, fundada na liberdade de consciência e de crença de que trata o inciso VI do art. 5o da Constituição Federal

Assim, o direito de vocês de falar absurdos na TV e nas igrejas está garantido. O que não está garantido é o direito de agredir pessoas que se amam, de oprimir pessoas pelo que elas são. Você optou por ser evangélico, e eu respeito isso, por mais babaca contraditório que eu considere. Não é opção dos homossexuais quem eles amarão, então por que você simplesmente não os respeita também?

Se o seu Deus é de Amor, como você faz questão de afirmar, devia ajudar a combater aos inúmeros crimes cometidos todos os dias contra pessoas que só querem amar. Não à homofobia. Sim ao PLC 122.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Trechos de uma carta não remetida.





É bem verdade que já tive vivências bem mais intensas, profundas e palpáveis, mas é a nossa história a responsável por formar um nó em minha garganta. Deve ser porque consigo olhar para as outras e identificar, tranqüila, onde começaram e onde terminaram. Nossa linha de tempo não se permite identificar.

(...)

Mas quando, há exatamente um ano, você ressurgiu com promessas de amor e tango, senti o que chamo de saudade ao contrário: longe, eu não precisava de você, da sua barba ou do seu abraço. Porém, quando nossos olhos se reencontraram, o peito apertou e eu só conseguia me perguntar “como passei tanto tempo sem a sua presença?”.

E naquele diálogo desconexo, um pouco pelas doses de cachaça, reconheço, mas muito mais pelo desejo arrebatador de retomar nosso quase amor e de expressar todos os sentimentos confusos que despertaram quando nos tocamos, algo me sugeriu que o tempo não conserta as coisas, mas sim as modifica.




quarta-feira, 16 de março de 2011

Sexismo da Bombril.

Não vi na televisão as novas propagandas da Bombril. Foi em meio a críticas e polêmica que cheguei ao link. Eu estava pronta para mais um absurdo publicitário, principalmente por ser de produtos de limpeza. Ainda assim, o choque foi grande.

São seis vídeos protagonizados por Marisa Orth, Mônica Iozzi e Dani Calabresa, nos quais homens são tratados como as mulheres costumam ser em diversas produções publicitárias: esteriótipos humilhantes. Foram chamados de burros, incapazes, preguiçosos, sujos.

Nos vídeos, os homens são comparados a cachorros e a homens das cavernas. Em um deles, Marisa diz que homens têm apenas cinco utilidades, dentre elas matar baratas e abrir potes.

Obviamente, os comentários masculinos são indignados. E vocês têm razão, rapazes. Sim, vocês têm o direito de sentirem-se ofendidos com os comerciais.

As mulheres não devem se sentir vingadas. As feministas não gostaram dos vídeos.

As propagandas, mesmo querendo mostrar um suposto girl power, são machistas. E é isso que os homens têm que entender: o machismo também os oprime. Os comerciais que reduzem vocês a babacas são frutos do machismo que, até as propagandas de cerveja, alguns de vocês não achavam tão ruim assim.

Nós, feministas, não queremos uma guerra de sexos. Queremos homens e mulheres unidos em prol do bem comum.

Quanto ao suposto girl power, quero avisar à Bombril que mulheres evoluídas não são mulheres que mandam em casa. Queremos igualdade em todos os ramos da sociedade. Não queremos homens que ajudem no serviço doméstico: queremos homens que dividam o serviço. Sexismo de qualquer forma não nos serve!

(Indico este texto ótimo que a Marjorie escreveu sobre este assunto.)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Desatinando.

Sigo no hábito de tentar compensar sentimentos com palavras, resolver mágoas com explicações quilométricas, suprir saudades com lembranças e enganar lágrimas com cigarros. Sofro pelo que não disse, me arrependo pelo que não fiz, sinto falta do que nem vivi. Minha mente está entregue ao desvario, criando monstros sublimes - exatamente com essa contradição.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Que a liberdade seja a nossa própria substância."*



Nascer, estudar, namorar, trabalhar, casar, ter filhos, morrer. Essa era a ordem natural da vida p'ra mim, até os 16 anos, quando percebi que eu não conseguia me enquadrar. Sempre tive um sentimento crônico de inadequação, mas foi na época em que todo mundo esperava pela sua alma gêmea que a sensação se concretizou. Como adaptar-me àquele modelo pré-estabelecido incontestável de relacionamentos?

Ainda não sabia que existiam outras pessoas que se sentiam como eu, que negavam-se a abrir mão de sua liberdade. Eu me achava anormal e tentava me enquadrar. Acabava magoando as pessoas, descumprindo contratos. Tentava entender o porquê de serem estabelecidos relacionamentos exclusivos, mas nenhum argumento parecia lógico. Tudo soava como egoísmo e possessividade. Eu queria amor.

Acabei por descobrir que havia casais que viviam "relacionamentos livres". Aprendi as diferenças entre poliamor, amor livre e relacionamento aberto. Entendi seus princípios e logo me encantei. Era aquilo que eu queria para mim.

Fomos condicionados a acreditar no amor romântico. Nos doutrinaram a buscar nossa metade e, por isso, nos sentimos vazios, sem perceber que já somos completos. Depositamos a responsabilidade de nossa felicidade nx outrx, obrigamos que encorporem um personagem idealizado, que finjam sentimentos. "Como assim você não sente ciúmes?"

Em um relacionamento baseado no padrão vigente, ambos inventam personagens, atribuindo características “idealizadas”, não verdadeiras. Abdica-se de coisas importantes, de amigos e programas separados, porque nos ensinaram que umx companheirx supre todas as nossas necessidades. Abre-se mão da própria personalidade. Acredita-se na grande mentira de duas pessoas tornarem-se uma só. Ter um par virou pré-requisito p’ra ser feliz.

Traição é mentir. É enganar, ser desleal. É armar, planejar, ludibriar. Então por que se considera que ter relacionamentos extraconjugais é traição? Porque se descumpre um contrato pré-estabelecido de exclusividade.

Mas será que o problema está nos relacionamentos ou no contrato? Para mim, o erro está no pacto de monogamia.

Alguém realmente acredita que se pode passar, sei lá, 30 anos com a mesma pessoa sentindo tesão por ela? Aliás, e se o tesão pelx parceirx acabar mas o amor, o companheirismo e o respeito permanecerem? Deve-se abrir mão de uma vida sexual ativa, enganar a pessoa por quem temos tanta consideração ou, ainda, abandonar essa companhia que nos faz tão bem?

Quando estou com alguém, estou pelo prazer que a companhia dela me proporciona. O que importa o que tal pessoa está fazendo quando não está comigo? Individualidade é indispensável.

O que mantém um bom relacionamento não é a exclusividade e sim ter amor, respeito, admiração, interesses em comum, bom diálogo. Mas também é necessário que se tenha liberdade para momentos de lazer em separado.

As pessoas tornam relacionamentos, que deveriam ser agradáveis, em conjuntos de regras, normas, cobranças. Têm que seguir um padrão, obedecer a um modelo, abrir mão de certos prazeres por puro egoísmo da outra parte. O que deveria importar é ser amadx desejadx e respeitadx.

É absurdo termos nossa liberdade cerceada e nossa individualidade desrespeitada. É isso que tanto se idealiza e espera?

Por muito tempo a mulher aceitou a infidelidade masculina como algo natural. As mulheres reprimiam seus desejos porque tinham medo de engravidar, pois na socidade patriarcal é impensável que um homem deixe herança a um filho que não é seu.

A pílula permitiu que as mulheres se libertem. Mas muitos ainda estão presos ao machismo, à idéia do ideal da masculinidade, onde o macho deve transar com todas as mulheres, ser bom de cama, viril, insaciável. E, principalmente, tem que suprir todas as necessidades femininas. Se a mulher procura outrx, ele sente que falhou, que deixou a desejar. Já é hora de nos desprendermos desses conceitos machistas.

Várias pessoas assumem ter desejo por outras. Questiono os motivos de serem contra relacionamentos abertos. A resposta? Não querem que x parceirx tenha outrx. Que imenso egoísmo...

Contestar a monogamia causa choque, mas vemos de forma tão natural os inúmeros casos de infidelidade. Se monogamia é a regra, por que boa parte das pessoas é infiél?

Não se mente a quem se ama. Quero sinceridade, quero me permitir ser sincera. Se alguém não agüenta a minha verdade, não está pronto para o meu amor. Quem me amar não exigirá que eu ceda a esse convencionalismo comportado hipócrita. Não me enquadro nessa fidelidade egoísta das convenções sociais.

Quero uma pessoa que me acrescente algo, que me faça evoluir, aprender. E quantas pessoas maravilhosas existem prontas para ensinar algo que nunca imaginei, que me tornará muito melhor? Me parece burrice limitar-me a uma só pessoa, impedindo meu próprio crescimento. E tenho direito de privar outras pessoas dessa maravilha da diversidade?

Amor é doação, não é possessividade. Não sou um objeto para pertencer a alguém. Se uma pessoa deseja controlar meus desejos, meus atos, meus pensamentos, ela não me ama de verdade. Amar é querer a felicidade e não existe felicidade onde falta liberdade.

É fantástica a idéia de ter liberdade e estabilidade, ter vários relacionamentos mas ter compromisso. Para isso, precisa-se cumprir uma ética de liberdade e de responsabilidade. Transparência é imprescindível.

Me recuso a negar meus desejos, a ser escrava de rótulos. Não aceito que limitem meus sentimentos. Não quero a fidelidade hipócrita, quero a lealdade. Quero a sinceridade plena, a honestidade. Isso é respeitar. Não coloco algemas em corações, não prendo pessoas. Não estou disposta a ser presa. Não cultivo sentimentos mesquinhos.

Quem ama, permanece, não precisa de prisão. Quem quer partir, que vá. É livre para voar. Amor é um sentimento nobre, não deve ser limitado. Amor não é finito, pode ser distribuído. Amar uma pessoa não diminui o amor pela outra. Amor se multiplica, não se divide.

Me faz feliz ver quem eu amo feliz. Se a realização é amar e ser amado, melhor que isso seja feito ao máximo. Não tenho porque não gostar de quem ama a mesma pessoa que eu. Temos algo em comum, isso devia aproximar. Cada pessoa tem uma personalidade. Não existe alguem melhor, apenas diferente. E eu quero conhecer todas essas diferenças.

O amor não é um jogo ou uma disputa. Não precisa um vencedor, não há adversários. Menos ainda precisa de regras. O relacionamento deve ser inventado ao longo da convivência. As pessoas são diferentes, é inaceitável que se imponha um modelo pré-estabelecido de relacionamento que não leva em conta as verdadeiras vontades pessoais.

Não quero alguém fazendo algo por obrigação, quero que faça por vontade própria, de forma espontânea. Um abraço espontâneo vale muito mais que declarações forçadas.

Não dou satisfação, não provo o que digo, não peço autorização. Sou dona de mim. Não preciso álibis. Não prometo exclusividade, porque me recuso a ser hipócrita. Não repito as cenas vistas em filmes, não torno a minha vida um falso conto de fadas. Não reprimo, não finjo, não disfarço.

Sou a favor da liberdade, da sinceridade e do amor.


*O título é uma frase de Simone de Beauvoir.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Diálogos da vida.

Avó: - Eu acho muito triste isso...

Dothy: - O quê, vó?

A: - Todas as suas primas já eram casadas na sua idade e você ainda nem tem perspectiva...

D: - Eu também acho triste elas terem se casado.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"I am a woman who walks alone."


Morei por mais de 20 anos em uma cidade do interior, cujo problema é a falta de opções. Passei minha adolescência indo à única boate da cidade, para socializar com meus amigos e não passar os finais de semana no mirc. Adoro sair à noite. Se dependesse de mim, teria uma vida completamente noturna. Não gosto da iluminação do sol, nem da rotina corrida do dia-a-dia. À noite o tempo se estende.

Porém, o estilo de "noite" que eu gosto não encontro na minha cidade no interior. Gosto da boemia poética, não da vida comercial-de-cerveja. Não quero "clima de azaração" /malhaçãofeelings, música da moda e playboyzinhos com seus carros rebaixados. Bares decadentes são a minha paixão.

Assim, logo que adquiri o mínimo de independência, passei a ir para outras cidades, onde há os tais botecos. Ia até a rodoviária, pegava ônibus, parava em algum bar chinelão (gauchês, oi). Muitas vezes, já amanhecendo, saía do bar e voltava diretamente à rodoviária.

Meus amigos não gostavam dos lugares a que eu ia, foi quando adquiri um hábito que logo virou hobby: sair sozinha. Muita gente considera bem esquisito, mas não mensura o prazer que é.

Aprendi a escolher os bares certos, aqueles isolados, com boa música e pessoas sem sorriso colgate, sem bronzeado laranja. Aqueles que, muitas vezes, nem sabemos o nome, pois não há placa indicando. Aqueles cuja programação é desconhecida, porque não possuem site.

Bares que parecem nunca fechar, que vendem fiado e cujas paredes estão descascadas. O dono é íntimo de todo mundo, parece até uma festinha privada. E lá surjo eu, sozinha.

O cigarro é meu único companheiro nessas horas. Ele ocupa a mão quando não sei onde pô-la, me esconde quando não sei para onde olhar. Ele alimenta meus pensamentos, que brotam com a fumaça e se perdem no ar. Fico lá, observando as pessoas, ouvindo a música, tragando meu cigarro.

Vez ou outra aparece alguém para pedir fogo e, de quebra, trocar uma idéia. Mas, ao contrário dos barzinhos da moda, os homens não costumam desrespeitar, puxar pelo braço e achar que você está dando mole se der um sorriso. Lá eu posso ser simpática sem me preocupar em ser agredida verbalmente por dizer um "não" caso tentem me beijar. E posso, caso esteja menos sociável, simplesmente não conversar, sem medo de ser mal interpretada.

Fiz alguns amigos assim, que duram até hoje ou que foram só por uma noite. Ouvi histórias, compartilhei dramas, me diverti. São bares com personagens singulares, com ambiente aconchegante, quase uma segunda casa. Se eu fosse escritora, seria em um bar decadente que eu gostaria de trabalhar.


domingo, 9 de janeiro de 2011

Privilégios, na ponta do seu nariz.

Alguns comentários ainda me surpreendem, acho que é por causa dessa minha babaquice inocência que me faz ter esperança nas pessoas.

Acordei cedo (leia-se 11h) para ir ao banco. Na fila, havia dois homens brancos, por volta dos 50 anos, conversando. Eu evitava prestar atenção, porém eles falavam em um tom que tornava impossível concentrar-se em outra coisa. Foi aí que um deles afirmou que mulheres têm vantagens na sociedade, pois nenhum homem consegue dizer "não" a uma mulher bonita.

Para a surpresa dos que me conhecem, não, eu não me meti na conversa. Mas vontade não faltou. Fiquei refletindo, quase sem acreditar. É sério que alguém acredita que ser mulher, em pleno patriarcado, reflete uma vantagem?

Que grande vantagem temos em depender exclusivamente da aparência física para conseguir algo? Porque só é vantagem se for bonita, né? Ou seja, se estiver dentro dos padrões impostos. E que tipo de vantagens os homens não conseguem negar às tais mulheres bonitas? Imagino que seja algo relevante, como salários iguais. Opa! As mulheres recebem, em média, 34% menos que os homens para desempenhar a mesma função.

Existem desvantagens em ser homem? Claro. Eu não preciso, por exemplo, servir ao Exército. Ainda assim, não são comparáveis à quantidade de desvantagens de ser do sexo feminino.

Qual é a vantagem de, por mais talentosa ou competente que a mulher seja, ter que ser ecrava de dietas, maquiagens e sapatos de salto alto (que machucam e deformam os pés)? Afinal, se você não “se cuida”, é relaxada, "pouco feminina” (o que é ser feminina?).

Homens não têm que deixar de ir à praia ou de usar uma roupa mais leve só porque não puderam perder umas horas fazendo depilação, procedimento extremamente doloroso. Engraçado, pêlos só são considerados “anti-higiêncos” em mulheres.

É um privilégio masculino poder sair sozinho sem medo de ser estuprado, não ter que ouvir cantadas desrespeitosas e invasivas, não ser assediado no trabalho, não ter sua vida sexual julgada pela roupa que usa. Ser mulher é ter o corpo avaliado o tempo inteiro, até para ir à padaria.

Alguns citarão casos isolados, exceções, para mostrar como os pobres homens sofrem! Então já adianto: estou falando de forma geral. Quando os dados de homens que sofrem violência doméstica, por exemplo, forem minimamente comparáveis aos de mulheres, conversamos.

Ser mulher é ser julgada pela classe toda. Mulher não sabe dirigir, né? Ser mulher é condenar a classe toda. "Tinha que ser mulher".

Os privilégios começam na infância. Ter joelhos roxos e subir em árvores é muito feio para meninas. Vestidos, laços, penduricalhos limitam os movimentos para as brincadeiras. Os brinquedos femininos são bonecas que choram e mini-cozinhas.

Homens têm liberdade sexual de verdade, não essa de fachada das mulheres. Cito aqui um exemplo: quando eu comento ser a favor dos relacionamentos livres, a reação da maioria é a de achar que eu apenas aceito e não que eu acredito em tal filosofia. Afinal, isso só pode ser coisa de homem. Esses danadinhos, hein? Sempre insaciáveis.

Ao explicar que é uma bandeira que levanto e que raramente encontro homens que topam, finalmente mudam de idéia. Passo a ser considerada puta.

Ser mulher é ter obrigação de ser mãe. Sim, pois “uma mulher só se realiza na maternidade”. Não casou? Ninguém quis, afinal "nenhuma mulher optaria por não ter família". Aliás, já repararam que, na grande maioria das entrevistas com mulheres “bem sucedidas”, há a pergunta de como ela faz para conciliar a carreira e os filhos?

Não, ninguém escolheu ter privilégios, nascer homem, branco, classe média ou heterossexual. Mas eles existem. É tão difícil assim enxergá-los? Eu não estou dizendo que a vida será perfeita, mas, certamente, quanto mais perto você estiver do padrão estabelecido, mais fácil ela será.

Eu, por ser hétero, não tenho medo de ser agredida quando saio de mãos dadas com um homem. Por ser branca, ninguém atravessa a rua para não passar na mesma calçada que eu. Por ser da classe média, nunca passei dias em uma fila de hospital.

Dói muito para os homens o reconhecimento de que sim, eles têm privilégios?
Digo mais, os que negam seus privilégios costumam ser os mesmos que negam seus preconceitos.