quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mercantilização das paixões



Já fui daquelas pessoas que cancelava qualquer programa em dia de jogo do meu time. Eu considerava defeito gravíssimo alguém torcer pelo time adversário. 'Tava nas características de "caras dos meus sonhos": gremismo.

Quando os resultados da rodada não eram favoráveis, eu passava a semana inteira de mau humor. E ai de quem fizesse piada. Contudo, não perdia uma oportunidade de zoar os amigos quando o time deles perdia.

Xingava o juiz, gritava com a TV, chorava em jogos decisivos - de emoção ou de tristeza.

Okay, vou confessar: eu não mudei tanto assim. Meu coração é preto, azul e branco. Eu sigo reclamando de qualquer falta e impedimento marcados contra o meu time, porque o amor é cego. Ainda me pego ajoelhada em frente à TV, fazendo figa, quando uma falta vai ser batida aos 46' do segundo tempo. Ainda me emociono ao ver a nossa torcida apaixonada. Ainda soy loca por tri américa.

O jogador deles caiu? Frescura. Enconstou no nosso jogador? Cartão vermelho!

Entretanto, algumas coisas me fizeram passar a acompanhar bem menos os jogos. Tem semanas que nem lembro de entrar no clicrbs p'ra ler as notícias do esporte.

Isso porque, antes, 1. eu me deixava levar por jogadores beijado o escudo e acreditava que garra era o suficiente para um time vencer; 2. eu cantava a plenos pulmões as músicas no estádio, pulando até minhas pernas pedirem arrego.

O fato é que tudo que é tocado pelo capital, vira mercadoria. Incluindo as paixões. O futebol deixou de ser um esporte e se tornou um dos principais mercados, um setor econômico de cifras milionárias em que reina a ganância. O capital explorou bem a emoção de quem ama um time. Quem tem mais, leva o melhor jogador. O sonho dos atletas agora é ir para a Europa, ter uma mansão, fazer festa todos os dias e ter várias loiras de bronzeado laranja em volta deles. No capitalismo, as pessoas não têm prazer no trabalho.

Outra característica desse maldito sistema é que, atrelada a ele, está a corrupção. E aí vemos times que vendem a sua derrota, trambiques no sistema clandestino de apostas, negociatas, árbitros comprados, resultados manipulados, dirigentes lavando dinheiro em paraísos fiscais, "máfia do apito", acusações à FIFA e à CBF, a influência dos patrocinadores, os conchavos, a negociação pelo direito de transmissão em tv/rádio.

O futebol funciona no molde das empresas capitalistas, tendo a maximização do lucro como principal objetivo.

Quanto ao outro fato que me desestimulou a seguir envolvida nessa paixão: o machismo corre solto nos estádios. Precisamos xingar o adversário da coisa mais humilhante existente. O quê? Ah, vamos chamá-lo de gay.

Fazer referências à homossexualidade do adversário é a maior e mais freqüente provocação existente no meio futebolístico, a fim de transmitir a idéia de que ele é inferior.

E, assim, seguimos reforçando a idéia de que ser homossexual é motivo para vergonha, é repugnante, é defeito, é o pior que um ser humano pode ser. Neste meio, considera-se muito pior alguém ser gay do que alguém matar, roubar, ou com qualquer defeito de caráter.

Além disso, nos outros estados também há a prática racista de chamar os jogadores de macacos, porém já tem começado a ser mal vista. Até porque, diferentemente da homofobia, o racismo é (teoricamente) punido pela legislação e, inclusive, pela FIFA.

No Rio Grande do Sul o problema é maior. De tanto os gremistas referirem-se aos colorados como "macacos", o Internacional adotou o animal como mascote. A torcida exibe faixas como "bem-vindos ao planeta dos macacos" e os gremistas se referem a qualquer torcedor/jogador deles como macacos, independentemente da cor.

Os times vivem brigando p’ra provar que o outro é time é que é racista, que o próprio time é que aceitou primeiro um jogador negro, e aí as histórias dos clubes vão sendo alteradas de acordo com o que cada um pretende defender. E como se o time ter aceitado primeiro um negro o faça mais ou menos racista.

E o que isso gerou? A idéia de que o termo “macaco” não reflete racismo. As pessoas não vêem problema em repetir o tal apelido, afinal, se a própria torcida assim se reconhece, não é preconceito. E aí todo mundo finge que não é um termo racista, afinal, racismo nem existe mais no Brasil, né?

O caso é que a origem do termo é carregada de discriminação e opressão, por mais que ele venha sendo ressignificado pelo time colorado.

E, assim, eu parei de cantar a maioria das músicas da minha torcida. Assim, eu parei de acreditar nos jogadores, nos árbitros, nos resultados, na garra. Assim, eu sofro de uma paixão não correspondida.

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