quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Desatinando.

Sigo no hábito de tentar compensar sentimentos com palavras, resolver mágoas com explicações quilométricas, suprir saudades com lembranças e enganar lágrimas com cigarros. Sofro pelo que não disse, me arrependo pelo que não fiz, sinto falta do que nem vivi. Minha mente está entregue ao desvario, criando monstros sublimes - exatamente com essa contradição.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Que a liberdade seja a nossa própria substância."*



Nascer, estudar, namorar, trabalhar, casar, ter filhos, morrer. Essa era a ordem natural da vida p'ra mim, até os 16 anos, quando percebi que eu não conseguia me enquadrar. Sempre tive um sentimento crônico de inadequação, mas foi na época em que todo mundo esperava pela sua alma gêmea que a sensação se concretizou. Como adaptar-me àquele modelo pré-estabelecido incontestável de relacionamentos?

Ainda não sabia que existiam outras pessoas que se sentiam como eu, que negavam-se a abrir mão de sua liberdade. Eu me achava anormal e tentava me enquadrar. Acabava magoando as pessoas, descumprindo contratos. Tentava entender o porquê de serem estabelecidos relacionamentos exclusivos, mas nenhum argumento parecia lógico. Tudo soava como egoísmo e possessividade. Eu queria amor.

Acabei por descobrir que havia casais que viviam "relacionamentos livres". Aprendi as diferenças entre poliamor, amor livre e relacionamento aberto. Entendi seus princípios e logo me encantei. Era aquilo que eu queria para mim.

Fomos condicionados a acreditar no amor romântico. Nos doutrinaram a buscar nossa metade e, por isso, nos sentimos vazios, sem perceber que já somos completos. Depositamos a responsabilidade de nossa felicidade nx outrx, obrigamos que encorporem um personagem idealizado, que finjam sentimentos. "Como assim você não sente ciúmes?"

Em um relacionamento baseado no padrão vigente, ambos inventam personagens, atribuindo características “idealizadas”, não verdadeiras. Abdica-se de coisas importantes, de amigos e programas separados, porque nos ensinaram que umx companheirx supre todas as nossas necessidades. Abre-se mão da própria personalidade. Acredita-se na grande mentira de duas pessoas tornarem-se uma só. Ter um par virou pré-requisito p’ra ser feliz.

Traição é mentir. É enganar, ser desleal. É armar, planejar, ludibriar. Então por que se considera que ter relacionamentos extraconjugais é traição? Porque se descumpre um contrato pré-estabelecido de exclusividade.

Mas será que o problema está nos relacionamentos ou no contrato? Para mim, o erro está no pacto de monogamia.

Alguém realmente acredita que se pode passar, sei lá, 30 anos com a mesma pessoa sentindo tesão por ela? Aliás, e se o tesão pelx parceirx acabar mas o amor, o companheirismo e o respeito permanecerem? Deve-se abrir mão de uma vida sexual ativa, enganar a pessoa por quem temos tanta consideração ou, ainda, abandonar essa companhia que nos faz tão bem?

Quando estou com alguém, estou pelo prazer que a companhia dela me proporciona. O que importa o que tal pessoa está fazendo quando não está comigo? Individualidade é indispensável.

O que mantém um bom relacionamento não é a exclusividade e sim ter amor, respeito, admiração, interesses em comum, bom diálogo. Mas também é necessário que se tenha liberdade para momentos de lazer em separado.

As pessoas tornam relacionamentos, que deveriam ser agradáveis, em conjuntos de regras, normas, cobranças. Têm que seguir um padrão, obedecer a um modelo, abrir mão de certos prazeres por puro egoísmo da outra parte. O que deveria importar é ser amadx desejadx e respeitadx.

É absurdo termos nossa liberdade cerceada e nossa individualidade desrespeitada. É isso que tanto se idealiza e espera?

Por muito tempo a mulher aceitou a infidelidade masculina como algo natural. As mulheres reprimiam seus desejos porque tinham medo de engravidar, pois na socidade patriarcal é impensável que um homem deixe herança a um filho que não é seu.

A pílula permitiu que as mulheres se libertem. Mas muitos ainda estão presos ao machismo, à idéia do ideal da masculinidade, onde o macho deve transar com todas as mulheres, ser bom de cama, viril, insaciável. E, principalmente, tem que suprir todas as necessidades femininas. Se a mulher procura outrx, ele sente que falhou, que deixou a desejar. Já é hora de nos desprendermos desses conceitos machistas.

Várias pessoas assumem ter desejo por outras. Questiono os motivos de serem contra relacionamentos abertos. A resposta? Não querem que x parceirx tenha outrx. Que imenso egoísmo...

Contestar a monogamia causa choque, mas vemos de forma tão natural os inúmeros casos de infidelidade. Se monogamia é a regra, por que boa parte das pessoas é infiél?

Não se mente a quem se ama. Quero sinceridade, quero me permitir ser sincera. Se alguém não agüenta a minha verdade, não está pronto para o meu amor. Quem me amar não exigirá que eu ceda a esse convencionalismo comportado hipócrita. Não me enquadro nessa fidelidade egoísta das convenções sociais.

Quero uma pessoa que me acrescente algo, que me faça evoluir, aprender. E quantas pessoas maravilhosas existem prontas para ensinar algo que nunca imaginei, que me tornará muito melhor? Me parece burrice limitar-me a uma só pessoa, impedindo meu próprio crescimento. E tenho direito de privar outras pessoas dessa maravilha da diversidade?

Amor é doação, não é possessividade. Não sou um objeto para pertencer a alguém. Se uma pessoa deseja controlar meus desejos, meus atos, meus pensamentos, ela não me ama de verdade. Amar é querer a felicidade e não existe felicidade onde falta liberdade.

É fantástica a idéia de ter liberdade e estabilidade, ter vários relacionamentos mas ter compromisso. Para isso, precisa-se cumprir uma ética de liberdade e de responsabilidade. Transparência é imprescindível.

Me recuso a negar meus desejos, a ser escrava de rótulos. Não aceito que limitem meus sentimentos. Não quero a fidelidade hipócrita, quero a lealdade. Quero a sinceridade plena, a honestidade. Isso é respeitar. Não coloco algemas em corações, não prendo pessoas. Não estou disposta a ser presa. Não cultivo sentimentos mesquinhos.

Quem ama, permanece, não precisa de prisão. Quem quer partir, que vá. É livre para voar. Amor é um sentimento nobre, não deve ser limitado. Amor não é finito, pode ser distribuído. Amar uma pessoa não diminui o amor pela outra. Amor se multiplica, não se divide.

Me faz feliz ver quem eu amo feliz. Se a realização é amar e ser amado, melhor que isso seja feito ao máximo. Não tenho porque não gostar de quem ama a mesma pessoa que eu. Temos algo em comum, isso devia aproximar. Cada pessoa tem uma personalidade. Não existe alguem melhor, apenas diferente. E eu quero conhecer todas essas diferenças.

O amor não é um jogo ou uma disputa. Não precisa um vencedor, não há adversários. Menos ainda precisa de regras. O relacionamento deve ser inventado ao longo da convivência. As pessoas são diferentes, é inaceitável que se imponha um modelo pré-estabelecido de relacionamento que não leva em conta as verdadeiras vontades pessoais.

Não quero alguém fazendo algo por obrigação, quero que faça por vontade própria, de forma espontânea. Um abraço espontâneo vale muito mais que declarações forçadas.

Não dou satisfação, não provo o que digo, não peço autorização. Sou dona de mim. Não preciso álibis. Não prometo exclusividade, porque me recuso a ser hipócrita. Não repito as cenas vistas em filmes, não torno a minha vida um falso conto de fadas. Não reprimo, não finjo, não disfarço.

Sou a favor da liberdade, da sinceridade e do amor.


*O título é uma frase de Simone de Beauvoir.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Diálogos da vida.

Avó: - Eu acho muito triste isso...

Dothy: - O quê, vó?

A: - Todas as suas primas já eram casadas na sua idade e você ainda nem tem perspectiva...

D: - Eu também acho triste elas terem se casado.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"I am a woman who walks alone."


Morei por mais de 20 anos em uma cidade do interior, cujo problema é a falta de opções. Passei minha adolescência indo à única boate da cidade, para socializar com meus amigos e não passar os finais de semana no mirc. Adoro sair à noite. Se dependesse de mim, teria uma vida completamente noturna. Não gosto da iluminação do sol, nem da rotina corrida do dia-a-dia. À noite o tempo se estende.

Porém, o estilo de "noite" que eu gosto não encontro na minha cidade no interior. Gosto da boemia poética, não da vida comercial-de-cerveja. Não quero "clima de azaração" /malhaçãofeelings, música da moda e playboyzinhos com seus carros rebaixados. Bares decadentes são a minha paixão.

Assim, logo que adquiri o mínimo de independência, passei a ir para outras cidades, onde há os tais botecos. Ia até a rodoviária, pegava ônibus, parava em algum bar chinelão (gauchês, oi). Muitas vezes, já amanhecendo, saía do bar e voltava diretamente à rodoviária.

Meus amigos não gostavam dos lugares a que eu ia, foi quando adquiri um hábito que logo virou hobby: sair sozinha. Muita gente considera bem esquisito, mas não mensura o prazer que é.

Aprendi a escolher os bares certos, aqueles isolados, com boa música e pessoas sem sorriso colgate, sem bronzeado laranja. Aqueles que, muitas vezes, nem sabemos o nome, pois não há placa indicando. Aqueles cuja programação é desconhecida, porque não possuem site.

Bares que parecem nunca fechar, que vendem fiado e cujas paredes estão descascadas. O dono é íntimo de todo mundo, parece até uma festinha privada. E lá surjo eu, sozinha.

O cigarro é meu único companheiro nessas horas. Ele ocupa a mão quando não sei onde pô-la, me esconde quando não sei para onde olhar. Ele alimenta meus pensamentos, que brotam com a fumaça e se perdem no ar. Fico lá, observando as pessoas, ouvindo a música, tragando meu cigarro.

Vez ou outra aparece alguém para pedir fogo e, de quebra, trocar uma idéia. Mas, ao contrário dos barzinhos da moda, os homens não costumam desrespeitar, puxar pelo braço e achar que você está dando mole se der um sorriso. Lá eu posso ser simpática sem me preocupar em ser agredida verbalmente por dizer um "não" caso tentem me beijar. E posso, caso esteja menos sociável, simplesmente não conversar, sem medo de ser mal interpretada.

Fiz alguns amigos assim, que duram até hoje ou que foram só por uma noite. Ouvi histórias, compartilhei dramas, me diverti. São bares com personagens singulares, com ambiente aconchegante, quase uma segunda casa. Se eu fosse escritora, seria em um bar decadente que eu gostaria de trabalhar.


domingo, 9 de janeiro de 2011

Privilégios, na ponta do seu nariz.

Alguns comentários ainda me surpreendem, acho que é por causa dessa minha babaquice inocência que me faz ter esperança nas pessoas.

Acordei cedo (leia-se 11h) para ir ao banco. Na fila, havia dois homens brancos, por volta dos 50 anos, conversando. Eu evitava prestar atenção, porém eles falavam em um tom que tornava impossível concentrar-se em outra coisa. Foi aí que um deles afirmou que mulheres têm vantagens na sociedade, pois nenhum homem consegue dizer "não" a uma mulher bonita.

Para a surpresa dos que me conhecem, não, eu não me meti na conversa. Mas vontade não faltou. Fiquei refletindo, quase sem acreditar. É sério que alguém acredita que ser mulher, em pleno patriarcado, reflete uma vantagem?

Que grande vantagem temos em depender exclusivamente da aparência física para conseguir algo? Porque só é vantagem se for bonita, né? Ou seja, se estiver dentro dos padrões impostos. E que tipo de vantagens os homens não conseguem negar às tais mulheres bonitas? Imagino que seja algo relevante, como salários iguais. Opa! As mulheres recebem, em média, 34% menos que os homens para desempenhar a mesma função.

Existem desvantagens em ser homem? Claro. Eu não preciso, por exemplo, servir ao Exército. Ainda assim, não são comparáveis à quantidade de desvantagens de ser do sexo feminino.

Qual é a vantagem de, por mais talentosa ou competente que a mulher seja, ter que ser ecrava de dietas, maquiagens e sapatos de salto alto (que machucam e deformam os pés)? Afinal, se você não “se cuida”, é relaxada, "pouco feminina” (o que é ser feminina?).

Homens não têm que deixar de ir à praia ou de usar uma roupa mais leve só porque não puderam perder umas horas fazendo depilação, procedimento extremamente doloroso. Engraçado, pêlos só são considerados “anti-higiêncos” em mulheres.

É um privilégio masculino poder sair sozinho sem medo de ser estuprado, não ter que ouvir cantadas desrespeitosas e invasivas, não ser assediado no trabalho, não ter sua vida sexual julgada pela roupa que usa. Ser mulher é ter o corpo avaliado o tempo inteiro, até para ir à padaria.

Alguns citarão casos isolados, exceções, para mostrar como os pobres homens sofrem! Então já adianto: estou falando de forma geral. Quando os dados de homens que sofrem violência doméstica, por exemplo, forem minimamente comparáveis aos de mulheres, conversamos.

Ser mulher é ser julgada pela classe toda. Mulher não sabe dirigir, né? Ser mulher é condenar a classe toda. "Tinha que ser mulher".

Os privilégios começam na infância. Ter joelhos roxos e subir em árvores é muito feio para meninas. Vestidos, laços, penduricalhos limitam os movimentos para as brincadeiras. Os brinquedos femininos são bonecas que choram e mini-cozinhas.

Homens têm liberdade sexual de verdade, não essa de fachada das mulheres. Cito aqui um exemplo: quando eu comento ser a favor dos relacionamentos livres, a reação da maioria é a de achar que eu apenas aceito e não que eu acredito em tal filosofia. Afinal, isso só pode ser coisa de homem. Esses danadinhos, hein? Sempre insaciáveis.

Ao explicar que é uma bandeira que levanto e que raramente encontro homens que topam, finalmente mudam de idéia. Passo a ser considerada puta.

Ser mulher é ter obrigação de ser mãe. Sim, pois “uma mulher só se realiza na maternidade”. Não casou? Ninguém quis, afinal "nenhuma mulher optaria por não ter família". Aliás, já repararam que, na grande maioria das entrevistas com mulheres “bem sucedidas”, há a pergunta de como ela faz para conciliar a carreira e os filhos?

Não, ninguém escolheu ter privilégios, nascer homem, branco, classe média ou heterossexual. Mas eles existem. É tão difícil assim enxergá-los? Eu não estou dizendo que a vida será perfeita, mas, certamente, quanto mais perto você estiver do padrão estabelecido, mais fácil ela será.

Eu, por ser hétero, não tenho medo de ser agredida quando saio de mãos dadas com um homem. Por ser branca, ninguém atravessa a rua para não passar na mesma calçada que eu. Por ser da classe média, nunca passei dias em uma fila de hospital.

Dói muito para os homens o reconhecimento de que sim, eles têm privilégios?
Digo mais, os que negam seus privilégios costumam ser os mesmos que negam seus preconceitos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

2011, pode vir.

"Acorda, Stè, acorda." Abri os olhos assustada. Havia uma pessoa sorridente sentada na minha cama, com olhar carinhoso.

Fiquei alguns segundos sem entender, achando que era sonho. "Stè, acorda! Que saudade! Sou eu, a Gi!". Meu coração deu um salto, levantei e a abracei forte. E foi assim que 2011 começou, às 6h da manhã.

Gi foi uma grande amiga na pré-adolescência, na fase em que todo mundo precisa dividir as angústias causadas pelas mudanças. Tudo parecia mais grave e mais definitivo. O tempo era o "agora", não tínhamos idéia da vida que tinha por vir. Nosso mundo era o colégio, nossos grandes amores eram os ídolos pop, dependíamos da aprovação dos outros alunos e puxa, um dia longe de uma amiga era uma eternidade. Quantas novidades! Passávamos o dia inteiro juntas, na aula, na casa uma da outra. À noite, ela dormia na minha casa, para termos tempo de conversar tudo. Hoje me questiono, o que tanto tínhamos a contar?

Foi a Gi quem me ensinou o que é amizade. Éramos como irmãs. Matávamos aula, compartilhávamos segredos, sabíamos sobre as paixonites. O primeiro "único" amor, o primeiro beijo, a primeira decepção, tudo com ar de eterno. Ah, acrescento que foi a Gi quem me convenceu que o A.J. era o Backstreet Boy mais bonito.

Infelizmente, cabeça de (pré)adolescente é vulnerável, manipulável. Outras pessoas fizeram intriguinhas e acabamos por nos afastar. Cada uma foi para um lado, mas o carinho permaneceu, nós sabíamos.

Mudamos de colégio, ela com os amigos dela, eu com os meus. E é uma época em que não se tem amigos fora do "grupinho". Certa vez até recebi uma carta dela, mas era imatura demais p'ra correr atrás e recuperar o que tinha se perdido. Me arrependo, claro. Porém, não posso exigir que, aos 12 ou 13 anos, eu tivesse a mesma atitude que teria hoje.

Então se passou dez anos. Nesse ínterim, eu soube que ela estava grávida. Quase fui visitá-la, porque ainda tinha um imenso carinho por ela, queria ver o bebê, compartilhar aquela alegria, viver aquele momento. Mas temi que ela já tivesse me esquecido ou, pior, ser mal compreendida.

E, hoje, 1º dia do ano, às 6h da manhã, ela apareceu na minha casa para me dar um abraço, dizer que sentiu minha falta.

Sinal de que 2011 será um ano maravilhoso. Sim, eu acredito em sinais.